



(…) Os desenhos de Henrique Vieira Ribeiro evocam uma sombra, a qual evoca uma árvore (mesmo quando se refere a diferentes árvores). Esta sombra, símbolo da ausência da árvore, é a coisa mais próxima da sua presença e, por isso, da presença da imagem. Nascida da projeção, esta sombra ou mancha imprecisa, é uma representação e, enquanto tal, algo que torna presente o ausente, que torna visível o que de outra forma permaneceria invisível. Neste sentido, a imagem da árvore é um espectro, um fantasma, que é como quem diz uma aparição – manifestação, assombro, presságio ou visão. Presença incerta da árvore original.
Read MorePor isso, na República, Platão chama às sombras phantasmata: coisas incertas ou ambíguas desprovidas de verdadeira presença. O teatro das sombras é, assim, uma fantasmagoria, nome dos populares espetáculos que recorrendo a lanternas mágicas povoaram o imaginário dos europeus ao longo dos séculos XVII e XVIII e que, decorrendo em salas às escuras, nos prepararam para a rapto da realidade que o cinema nos proporcionaria mais tarde.
Sendo a sombra a privação de luz, como afirmou Leonardo, esta qualidade espectral revela-se ainda de outra forma: na transparência dos corpos. As árvores de Henrique Vieira Ribeiro, traçadas a caneta segundo um rendilhado de linhas, são leves e transparentes. Quando se cruzam com outras não se ocultam; sobrepõem-se mutuamente, trespassando-se e entrelaçando-se e, desse modo, dando origem a formas mais complexas e a uma ideia de profundidade.
Mas do encontro das árvores de Henrique Vieira Ribeiro nasce algo mais: uma ideia visual de movimento. Como se cada árvore rodasse ou rodopiasse sobre si própria e juntas executassem uma peculiar coreografia espectral, através da qual o artista constrói uma ideia de floresta.
Contudo, a árvore que vemos aqui, nascida de um dispositivo de projeção e de um processo de representação gráfica, não é uma árvore qualquer. É uma árvore miniaturizada, que ludibria a escala para manter a proporção, e que se apresenta, ela própria, como uma representação, ou evocação, da ideia de árvore. Esta árvore morta, sem chão, sem terra, sem ocultação, traz até nós o seu corpo inteiro, proporciona-nos a visão das suas raízes, e estas, na sua quase simetria com os ramos, acentuam a natureza de espectro que irrompe e povoa o mundo aéreo. E que, como Salomé, parece interpretar para nós uma dança da morte que é ao mesmo tempo, uma dança de evocação, de reminiscência e de lembrança do corpo vivo. Da árvore.
Excerto do texto “A evocação da sombra: em torno da árvore de Henrique Vieira Ribeiro” de Victor dos Reis