As imagens que Henrique Vieira Ribeiro apresenta nesta exposição têm aquela qualidade que Freud designou com o conceito de “Unheimlich”: o que é ao mesmo tempo familiar e estranho, uma estranheza que inquieta porque reside precisamente no que é próximo e conhecido. São fotografias domésticas, pertencentes a um álbum de família, que agora sobrevivem como fantasmas vindos de um tempo e de um lugar indefinidos, mostrando ostensivamente a sua condição póstuma. Elas solicitam, assim, um olhar arqueológico, como as peças de um museu ou os documentos de um arquivo. Convidam-nos à construção imaginária de uma história, solicitam que preenchamos os espaços vazios do “quando”, “onde” e “quem”: quem são aquelas pessoas? Em que circunstâncias, e em que tempo, foram fotografadas?
Read MoreEste é apenas o primeiro nível de significação. E, sendo o mais imediato, não é certamente o mais interessante nem constitui o centro desta exposição. Se tudo ficasse por aí e o artista fosse apenas um mediador na apresentação destas imagens, se não as submetesse a uma forte intervenção assumindo uma co-autoria, esta seria uma exposição com um carácter documental. Mas há um outro nível de significação mais importante, e é aí que devemos apreender o que há de fundamental neste trabalho. Esse outro nível é o da subtracção destas imagens à sua condição documental e histórica. Neste caso, o artista não é apenas mediador nem tem uma atitude reverencial pelas imagens do seu arquivo. De certo modo, ele profana-as, exerce sobre elas uma manipulação que as desvia do seu lugar originário.
Essa manipulação tem duas dimensões: através da digitalização e ampliação, as imagens ganham qualidades plásticas próximas de uma disciplina artística que já não é a fotografia. Há aqui uma anulação do efeito fotográfico, até ao ponto em que o espectador sente que deixou de ser convidativo e pertinente perguntar: quem, quando, onde? E o vídeo, mostrando uma série de negativos, reforça a ideia de perda de referencialidade das imagens.
Mas devemos reparar que este vídeo tem som, e esse som evoca uma máquina de projecção (sublinhando assim, o aspecto técnico e maquínico) e é interrompido no final por um breve discurso que parece radiofónico ou dos antigos locutores da televisão, onde é pronunciada uma frase de tom poético. Nessa frase surge a expressão que dá o título à exposição: “Horizontes Brancos”. O que faz este registo áudio e esta “banda sonora” da projecção? Trazem para o primeiro plano as máquinas de visão e de audição, integram os dispositivos técnicos como elementos fundamentais da exposição. Esses dispositivos técnicos incluem ainda uma mesa de luz e três projectores de slides. Aqui, os media não têm a qualidade da transparência, não se apagam para deixar ver a imagem ou som de que são mediadores. Pelo contrário, eles têm uma especial opacidade, na medida em que são exibidos enquanto tal: as máquinas, os dispositivos técnicos, são parte integrante deste trabalho, são elementos equivalentes às fotografias. Eles são um factor de anulação do efeito documental. E, então, as imagens encaminham-se para um lugar enigmático, onde se revela a sua condição fantasmática.
António Guerreiro